sábado, janeiro 21

Whatever

- Batem à porta!, grita Jadis do emaranhado dos seus livros espalhados no chão da sala.
Nunca soube ser interrompida nem desprender-se do peso das suas coisas.
- Quem era?
- Ninguém!
- Como ninguém? Ouvi baterem à porta...
- Olha para mim.
- Deixa-me! Sabes o quanto isso me irrita. Não desprego daqui, desta sala, das minhas letras, enquanto não me apetecer! Mas quem era?
- Já te disse, ninguém.
Resignou-se e voltou a adormecer no silêncio que a leitura lhe dava.
Nesse adormecer calava o que a rodeava. Apenas os livros abertos, dispersos, poderiam sentir o peso da sua amarga presença, que na insistência doce se tornava.
Longe da sua consciência, procurava alguma coisa. Jadis era faminta de respostas para perguntas que jamais soubera fazer. E assim alheada, o peso da sua existência era aliviado.
Passaram-se anos. Inúmeras vezes bateram à porta e tantas vezes não a abriu. Outras tantas a incomodaram, olha para mim! Nunca olhou. Lia os seus livros, prostrada no seu canto da sala. Só eles abria e apenas para eles olhava. Um dia pensou que também ela poderia escrever, e assim o fez.
Anos que passaram. Letras rabiscadas em livros de escola, guardanapos de papel, pratas dos maços de tabaco, palma da mão.
- De que me serve isto?
Cansou-se das letras. Ouve baterem à porta. Quem é?
- Sou eu.
Resposta idiota, pensa. E por muitas vezes foi ver quem era. recomeça a escrever e a abrir todas as portas, tão depressa como as fecha.
- Quem é? - sem resposta.
- Quem é?
- O teu sorriso.
Espreita... nada.
- Quem é?
- O que procuras.


- Não procuro nada! - e continua a escrever, sem no entanto deixar de sentir-se despojada da sua intimidade, sem no entanto deixar de sentir-se invadida por aquela frase, proferida por sabe-se lá quem.
Passam-se meses. E novamente aquele toc-toc. Arrasta-se pela casa, sublimada e incomodada por aquela pancada agonizante. Já não pergunta quem é. Abre a porta e deixa entrar.
Vira costas, sente-se cansada. Enterra-se no sofá e adormece.
- Estranhamente te vejo e estranhamente te sinto - sonha Jadis.
- Eu disse-te.
- Leve é o peso da tua presença. Quente a frieza do teu abraço. Reconfortante o embaraço do teu corpo caído sobre o meu. Acertado o que um dia me disseste. Procurava-te.
E assim sonha, porque adormecida vive.

1 comentário:

Anónimo disse...

ah!

surpresa boa. pensei q tinham abandonado isto