sexta-feira, agosto 19

Tango

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O meu olhar não se detinha na forma corporal assumida. Nem no circulo de brilhante pendente ao meio do decote negro.

As sombras ondulantes projectadas por cima do quadro onde os cavalos correm ofegantes prendiam-me.

A rigidez do pescoço onde as veias salientes gritavam «ama-me, ama-me…ama-me»
contrastavam-me com o ritmo alucinado do tango «fode-me, fode-me…fode-me».

Os ombros altivos a pedirem paz na respiração ofegante do levantar das ancas da cadeira de madeira.

Os músculos tensos da barriga da perna, modelados pelo esforço.

Tudo em ti respira vida.

Perdi-me nas sombras a bailarem na parede. Disformes, tão disformes como a imagem que queres que o mundo acredite.

Fechada na tua dança. Fechada na sombra. Transpiras esquecimento.

Esquecida de ti. Esquecida que o amor faz parte de ti. Esquecida do poder do afago das tuas mãos.

Toda a tua vida a passar por entre as tuas coxas, gozando o prazer de um orgasmo solitário.

Quando paraste, a gota de suor que te escorria do peito veio morrer na palma da tua mão. Lânguida a tua língua absorveu-a como se de mel se tratasse.

- Tenho sede. Dá-me de beber – vocalizaste rouca, transmutada da dimensão de onde surgiste.
No estender do braço com a garrafa de água, percebi a tua sede.
Só então, depois, fui um rio a morrer no teu mar.
…/…

1 comentário:

Anónimo disse...

Bonito !
Boas férias cheias de tangos ...