terça-feira, agosto 9

o vestido negro da ficção

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- Fica aqui. Não saias daqui.
Desapareceu pela porta. Quando voltou, vinha de vestido negro, justo acetinado ao corpo e mesmo o decote não impedia de ver os mamilos salientes. Duas alças finas, como linhas de água torneavam os ombros magros de pele dourada pelo sol.

Aquele gesto de alinhavar a fivela das sandálias de salto alto prendeu-me o olhar e por ali fiquei. Quando levantei os olhos dela, segui-lhe a mão até ela pousar na aparelhagem. Depois foi o tango que me inundou os sentidos. Compasso dolente. Respirei como um cavalo do deserto e faltou-me o ar.

- Vou dançar para ti.
E começou a acompanhar a música lentamente.
Não tardou muito e não consegui distinguir o corpo dela do resto do tango.
Decidida, inesperada, lançou-se ao meu pescoço prendendo-me com os dentes.
As mãos num gesto seco rasgaram as casas dos botões da minha camisa e pousaram auscultando as batidas no meu peito.

Largou-me quando sentiu o meu sangue na boca e sorriu como se nada fosse.
Olhei-a. Sorri ao duelo.
Enlaçou-se nas minhas pernas e quando a dobrei para trás, girei-lhe o corpo como se fosse um girassol à procura do sol.
Senti-lhe as veias a pulsar e o cheiro dela disse-me o resto.
- Quero que te vires, encosta-te ao espelho.
Obedeci.
As mãos delas nas minhas costas a ondularem, sentia-lhe a respiração sempre que passava perto. Aconchegou-se em mim, rebolou-se, esfregou-se numa tesão inusitada. Sempre ao ritmo. Na cadência do tango, capitalismo de carnes, agarrou-me os cabelos e simulou o escalpe da vitória.

Estranhei a pressa com que se afastou de mim. Quando me voltei, acendia o cigarro e sentou-se de pernas trançadas na cadeira ao fundo da sala.
- Acaba tu agora a história. – pediu enquanto a mão solta descia acariciando-se sempre que encontrava resistência. Fez questão que lhe visse o sexo nu quando destrançou as pernas e a mão subia e descia como as marés na praia.

- Anda, termina a história. Peço-te! Imploro-te que me leias o pensamento…
Deixei-me escorregar e sentei-me calmamente de costas de encontro à parede fria.
- Não te dou o que queres…jamais te darei o que queres.
- Eu sei que queres dar. Ordeno-te que termines a história.
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